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[ religare ]

em pura mistura
não se põe mão:

se depura a sede
se entorna a tintura

no chão da bodega
na tábua escura

qual ordenado cura
se oferta ao são.

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O filho do Papai Noel

Joulupukki

Olhei para a tela assim que ouvi o bipe e percebi que, considerando que só havia dois atendentes, demoraria para que eu fosse atendido. Além do mais, passava um pouco da hora de fechar e eu tinha esquecido um documento no guarda-volumes, então teria que armar o ataque retórico para que me autorizassem, tão logo fosse atendido, a buscá-lo no armário lá fora, na área dos caixas eletrônicos. Num gesto automático de desconforto, respirei fundo e, enquanto soltava a respiração, passei a palma da mão vagarosamente pela barba, começando com o indicador sobre o lábio inferior e terminando na pontinha do último fio. Olhei para o lado e percebi que um menino de não mais que uns cinco anos me observava, sorria e me imitava, afagando uma barba imaginária. Sorri para ele também. Ele olhou para o outro lado e cochichou para a irmã “ele é barbudo, olha”. A irmã, apenas um pouco mais velha, mas já impregnada desse misto de decoro, polidez e moralidade de que são feitas as interações sociais com estranhos no mundo adulto, olhou para a mãe, mais ao lado, buscando aprovação para a reprimenda que acabava de dirigir ao gurizinho. Continuei sorrindo, mesmo não sendo algo que costume praticar com assiduidade. Não por rabugice, é só porque nunca gostei do meu sorriso. Ele criou coragem e me perguntou o porquê de deixá-la assim.
– Porque eu vou ser o Papai Noel quando ficar velho.
– Ah, mas a barba dele é branca, a tua é meio vermelha.
– Mas a minha camiseta é branca. Quando eu ficar velho, inverte: a roupa fica vermeha e a barba fica branquinha.
– Aí tu sai por aqui com aquele sacão cheio de presentes, né? Mas lá em casa é meu pai que compra, o Papai Noel eu só vejo no shopping.
A irmã, de repente, imbuiu-se de um senso de cumplicidade quase comovente e interveio:
– Ele é o filho do Papai Noel.
Ele me olhou de novo, mais cuidadoso, um pouco incrédulo, mas desejoso de acreditar.
– É verdade?
– Claro. Mas por enquanto, eu vivo como todo mundo. Vou à aula, ao trabalho, ao banco. Só posso ser Papai Noel depois de bem velhinho.
Ele não disse mais nada. Só se deixou ficar ali, meio boquiaberto por alguns segundos, absorto em suas reflexões, os olhos cheios daquele brilho das pequenas descobertas.
Chamaram minha senha, afinal. Apesar da ótima companhia ter aliviado a espera, minha tão nobre e rara ascendência, infelizmente, não tornou mais sólido o meu apelo ao atendente e tive que aceitar, inconsolável, a derrota da lábia frente à regra.