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Cotidiano

Empreendedorismo infantil, aula 1

Tava tomando café numa padariazinha aqui do centro e entraram dois moleques vendendo chocolates. Os dois muito bem apresentados, roupinha nos trinques, cabelio lambidinho pro lado e tudo. Venderam alguma coisa, mas as pessoas sempre olham com aquela cara desconfiada, puxam a bolsa pra mais perto do corpo, fingem que estão fazendo uma ligação, enfim. Eles vieram à minha mesa e achei que, apesar do visual estar interessante, eles precisavam de mais do que isso. Resolvi ajudar.
— Olha só, moskiridus… a roupa tá massa, cabelo penteado e tudo, mas vocês já notaram que as pessoas ainda olham pra vocês de canto de olho, né?
— Sim, e isso é bem chato. A gente tá trabalhando, elas não enxergam? – Disse o mais velho.
— Cara, até enxergam, mas ignoram. Posso propor um teste pra vocês?
— Pode.
— Na próxima abordagem, digam assim

Boa tarde, senhor(a). Hoje a gente tá trazendo uma informação.
[aí vocês esperam a reação; se houver, continuem; se não houver, continuem igual]
O(a) senhor(a) sabia que o dono da Cacau Show começou vendendo chocolate num Fusca? Pois então, a gente ainda vai demorar pra poder dirigir, mas até lá, estamos batalhando pra que seja um carro mais novo, né?
[aí apresentam o produto].

— Hahahaha, legal! Gostei disso.
— Então, é fácil. É só decorar o texto. Vou escrever aqui nesse papel.
— Não, não, grava aqui no meu celular.
— Ok, gravo. – E gravei mesmo.
— Massa, tio.
— Massa nada, agora me dá um chocolate desses aí pelo serviço prestado.
— Sério?
— Claro, rapaz. Ou tu acha que as pessoas vão te dar alguma coisa de qualidade assim, do nada, de graça? Isso aqui é o planeta Terra, não é assim que funciona.
— Tá bom, tá bom, tó.
Peguei o chocolate, fingi que li o rótulo, entreguei-o de volta.
— Tem leite, não como. Tenho alergia.
— Então pega esse aqui que não tem leite, mas é bem ruim e é mais caro.
— Não tem problema, não vou te pagar mesmo.
Esperei uns segundos e continuei:
— Mentira, cara, não quero teu chocolate, tava só te testando.
— Mas pode pegar mesmo, tio.
— Não quero, não gosto de chocolates, na verdade.
— Uma mulher me disse esses dias que não dá pra confiar em quem não gosta de chocolates.
— E quem foi que te deu um conselho útil, ela ou eu?
— Tu, né.
— Então ela falou bobagem. O papo tá bom, mas agora preciso ir.
– Valeu pela dica, tio.
— Não por isso, mas se tu me chamar de tio de novo, te penduro no ventilador de teto.
Ambos saíram correndo e, já na porta, gritaram quase juntos:
— Falôôôôô, tio!

Moral da história: eu sabia que um dia aquelas historinhas que aparecem nas revistas de bordo da Gol iam ser úteis.

P.S.: adoro chocolates, só achei que era mais fácil encerrar a conversa assim.

By Sandro Brincher

Eu sou aquele que, de fones nos ouvidos, através da janela empoeirada do ônibus, perscruta os paralelepípedos irregulares da calçada de um parque à procura de alguém que tenha, ao resgatar do fundo das algibeiras um maço de cigarros molhados pela chuva que acaba de dar trégua, derrubado um bilhete premiado de loteria.

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