– Você pensa em morrer aqui, Sandro?
A pergunta me pegou de surpresa. A bem da verdade, nunca pensei em morrer neste ou naquele lugar, ser enterrado deste ou daquele jeito, ser cremado ou transformado em sabonete alergênico e distribuído aos poucos desafetos assumidos, estar velhíssimo numa cama com a família ao redor ou ver meu paraquedas falhar a dois mil pés de altitude. Juro, é tipo “whisky ou água de coco?”. Entretanto, dessa vez a coisa me pegou desprevenido. Depois de muito divagar, notei que o olhar dela denunciava um misto de pavor e incompreensão.
– Tá muito louco isso tudo que estou falando?
– Sim, está. – ela respondeu.
Aproveito para confessar que adoro a objetividade chinesa. É sempre tudo no olho, sem eufemismo, sem vaselina.
– É que morrer é uma aventura complexa mesmo e quem está morto não pode nem discordar de mim.
– Morto? Calma, calma. Não, eu não quis dizer “morrer”, eu quis dizer “morar”. Desculpa, hahahaha.
– Hahahaha! Puxa, aí é outra história. Não sei se pretendo morar aqui para sempre, mas tenho três anos e meio pela frente ainda, então ainda tenho muito no que pensar.
– É verdade.
A conversa voltou ao tópico inicial [alguma coisa sobre pronomes oblíquos]. A aula acabou e cada um seguiu seu rumo. No caminho para casa, sentei um pouco em frente ao prédio e fiquei olhando aqueles barcos de carga lentamente fazendo suas manobras. Ao fundo, à esquerda, os grandes resorts com seus cassinos encrustados como pequenas pérolas nas quais se pode apostar os ganhos de toda uma vida em um lance de dados. Bem à direita, no alto da montanha, a centenária capela portuguesa em sua vigília permanente. O rio à frente, parado, pesado, escuro. A chuva apressando os passos dos que escolheram a noite como companhia. Não tenho mais dúvidas. É tão interessante morar aqui quanto aqui mesmo entregar a moeda ao barqueiro. Aqui é bom porque aqui é o que existe agora.