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[ do lar I ]

Olhar para a caneca sobre a mesa, ver que por seus furos dietétricos se esvaem as calorias de verões idos; aspirar o olor que, lá do berço, anuncia sem dizer nada, pois, por enquanto, todo o anseio de seu emissor é um peito e toda sua linguagem é um descompassado alternar entre lágrima e sorriso; olhar para a grama que, lá no pátio sitiado por cercas-vivas, tenta superar sua sina de ter evoluído para ser pisada, e lembrar que não joga futebol há anos por causa do joelho que dói, e por isso engordou tanto, e por isso faz dieta; mirar um corpo fresco que passa na rua, memória dura, como pouco há no próprio corpo; afastar do prato a folha, atrair o lipídeo, o queimado, com prazer e culpa; eis a existência, eis o refúgio onde a saliva habita.

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[ historia de la literatura ]

Pues, Borges, te lo digo yo.
En todas las películas que he visto,
todas las novelas que he leído,
todos los poemas que,
aunque no los hubiera solicitado,
escuché recitados,
en todo eso, me parece,
un sólo tema existe:
el hombre que lo perdió a todo
sin jamás haber tenido cosa alguna.
No se ignora cualquier muslo.

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[ tons abaixo ]

Estive fora todo esse tempo.
Lugar confortável, visão privilegiada
de curvas, uma estrada com pedras,
flores tímidas
e um cachorro desafortunado a cada par de dias.

Tudo caía em mim como um sopro só;
doces e salgados, os insetos mesmos eram,
pese sua monstruosa complexidade,
como o ar por onde rasgavam espaços:
puro fluxo avesso a estruturas.

Tudo caía em mim como só caem
as coisas sem apego aos nomes.
Ali todas eram atraídas pelo branco,
e o cinza e o azul,
consangüíneos nos lugares em que
o cinabrino perdeu gosto: é de vida o grosso de seu tom.

Mais além, abaixo, uma voz esperava.
Pouco se precisava para não ouvi-la,
esperava olhos para gritá-los e cantar com eles
os restos de uma fotografia. Contentei-me em
desenhar moldura.

Olhamo-nos uma última vez,
de novo.
O reflexo andava em meu favor,
aliviava meus lábios do peso do olho.
Com o polegar cobri tudo o que havia,
abri uma garrafa e antes do gole abriram-se as luzes.

– Chegamos. Desce do colo.

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[ anatômica II ]

Esfarela-se o ritmo, num ponto, ao homem que cheira.
Cada uma de suas narinas é uma maldição sensível.
Indiferente se nisso fundamenta algum prazer.
Basta-lhe uma foto: deseja a morte [
seu sangue (digo, todo) é num instante aquele aroma].
Esfarela-se o corpo, arrítmico, do homem olfato.

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a Zu

Lembro de quando eu tive a idéia de me candidatar pro concurso “Quero ser Paquito da Xuxa”. Contei para uma menina, a Zu. Ela me disse “Sandrinho, mas tu é feio, magrelo, alto, desengonçado e ainda nem tem idade suficiente… pensa bem nisso”.
Claro, desisti. Mas ainda hoje, mais de 15 anos depois, sempre que preciso de um conselho, eu peço à Zu.

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[ decepções II ]

Havia um homem – poderia ser uma mulher, enfim – que desejava sempre estar onde as coisas estão.
Um dia disseram: lá, tal hora, estarão as coisas. Foi (sem saber que lá, naquela hora, um grande desastre se daria).
Atrasou-se para sair e não pegou o desastre. Voltou extremamente desapontado por lhe terem mentido.

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Axioma do dia

bucetatis mutandis, elas são todas incompreensíveis.

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[ a vingança das horas ]

Minha esposa, deus a tenha, um dia me disse que gostava muito do meu corpo na época em que nos conhecemos. É incrível o que uma descuidada especificação temporal pode fazer, sobretudo quando já não há muito a salvar num casamento.
Causa-me estranheza lembrar tal fato agora, quase vinte anos depois e a poucos metros de ter cumprido integralmente minha pena. Acho que ela morreria de inveja; meus peitos hoje são maiores do que os seus jamais foram.

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Escolhas

Eu sei que não fiz uma boa escolha na vida quando a prateleira que mais frequento na biblioteca é justo aquela que tem fauna – teias de aranha e colônias de ácaros.

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Uma necessidade

É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar… manda chumbo nelas todas.