A companhia com a qual tenho viajado nas últimas 4 idas e vindas ao Brasil é a Ethiopian Airlines. Eu poderia elogiar algumas coisas, como o menu vegano ou o infinito profissionalismo das comissárias de bordo – além da elegância de seus trajes “típicos” e do sorriso absurdamente radiante das etíopes, que certamente estão entre as mulheres mais lindas do mundo -, mas o real motivo é que eles sempre vendem o ticket mais barato.
Apesar de ser um país de várias línguas, um dos principais idiomas etíopes é o Amárico [que tem um dos alfabetos mais lindos do mundo, por sinal]. Ora, mesmo gostando muito de estudar idiomas e tendo uma queda pelas coisas diferentonas da vida, nunca achei que saber mais do que “āmeseginalehu” [obrigado] – porque eles repetem isso mil vezes nas mensagens durante o voo – e “minimi āyidelemi” [de nada] – porque achei que era importante saber – fosse exatamente um déficit, principalmente porque todo o pessoal de bordo normalmente fala Inglês o suficiente para o serviço.
Pois na última volta à terra de Mao, em novembro, consegui ficar num assento daqueles triplos, no meio, sem ninguém ao meu lado. Lógico que virou cama. Três assentos só pra mim era tudo que eu queria desde minha primeira viagem pra cá em 2015. Dormi um sono lindo, confesso. No meio dele, entretanto, o charutão bateu no beiço, o mergulhador ameaçou abrir a escotilha, o Mr Hanky pediu pra sair. Levantei a cabeça ainda meio grogue e, com muita alegria, vi que a luz do banheiro estava verde. Quase num pulo, me lancei pelo corredor em direção à glória da resolução desse tão infame problema fisiológico humano. Que vocês não se assustem com minha súbita mudança de linguajar, mas a verdade seja dita: ninguém segura um cu que quer dar passagem tanto para fora quanto para dentro. Sobre este último caso faço apenas um exercício supositório, já que não tenho muita experiência nisso à exceção da alheia. Com relação ao primeiro, entretanto, não convém ir mais fundo. Que essas pequenas vitórias fiquem lá esquecidas nos intestinos de nossas memórias pessoais. Quase num pulo, me lancei pelo corredor, eu dizia. Pois nesse descuidado movimento acertei em cheio uma das comissárias, justamente a que mais tinha quebrado meu galho na hora do rango, e, por consequência, derrubei o copo d’água que ela trazia na mão. A moça, dotada dessa educação que só alguém acostumado a lidar com a gentalha emplumada que é 99% desse pessoal que anda de avião por aí, mandou um “I’m sorry” antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. Ainda meio no susto, tudo que consegui dizer foi “āmeseginalehu“. Ela fez uma cara divertidíssima e respondeu quase rindo “minimi āyidelemi“. Foi aí que eu vi a idiotice e me desculpei de verdade.
— Desculpa, eu não queria dizer «Obrigado» depois de te atropelar, mas era tudo que eu sabia, hahaha.
Ela tomou ares de professora e muito pausadamente disse “ānichi k’onijo neshi“. Eu repeti sem pestanejar “ānichi k’onijo neshi“. Ela disse “de novo“. Eu, bem enfático, mandei o melhor “ānichi k’onijo neshi” que consegui. Ela fez uma cara de aprovação e disse “Muito bem, sua pronúncia está muito boa“. Era meio óbvio, mas só para garantir, perguntei se “ānichi k’onijo neshi” significava “me desculpe“. Ela deu uma risadinha marota e respondeu:
— De jeito nenhum. Isso significa «Você é bonita». Para se desculpar basta dizer “yik’irita“. Bem mais fácil, não?
Desnecessário dizer que virei fã dela, mas tive que mandar meu “Ih, quirida” e, aproveitando a luz ainda verde, correr lá pra bater aquele papo com a dona Celite, sempre presente nas horas difíceis da vida, independente dos nomes que assuma e dos alfabetos com os quais se os grafem.
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Fila do caixa no Angeloni dos Ingleses. O casal à minha frente, uns 60 anos ambos, conversavam sobre a educação dos brasileiros em contraste com a dos argentinos. Disseram muitas coisas interessantes, mas que não vêm ao caso agora. Depois de atendidos, o senhor disse empolgado à moça do caixa:
– Muchas gracias. ¡Que tenga um buen fin de semana, aunque trabajando!
Ao que ela respondeu:
– Ah, muito obrigado, pra vocês também! Mas melhor trabalhando do que desempregada, né?
– Ah, sí, por supuesto. ¡En eso estamos de acuerdo! Hasta pronto.
– Até mais.
É certo que a compreensão que um tinha do idioma do outro, mesmo não falando nada em língua alheia, era ótima, mas uma coisa ficou bastante clara: a cordialidade, como indica a etimologia, vem lá do centro abstrato do músculo cardíaco, e esse, meus amigos, é poliglota bagarai.
CarOs amigOs,
Ontem à tarde, depois de um dia muito trabalhoso, resolvi escrever algumas coisas a respeito do Dia da Mulher e de como não há muito pra se “comemorar” nessa data [há muito, óbvio, para se discutir e sobre o que agir]. Digitei “Mulher no Brasil” no Google e cliquei em “Imagens” buscando algum infográfico, alguma tabela, alguma coisa que ilustrasse de forma objetiva algumas coisas sobre as quais eu queria falar. O resultado foi esse aí embaixo. Aí eu fiz aquilo que de mais prático – mas intelectualmente menos corajoso – eu poderia fazer: resolvi me calar. “Quem sou eu para falar sobre isso? O que eu entendo disso? Os livros que li, as discussões acadêmicas de que participei, as situações que presenciei, isso me autoriza a dizer alguma coisa?”. Sendo assim, não vou dizer nada, absolutamente nada, sobre isso. Façam de conta que não leram nada disto aqui, que não viram esta imagem, que sim, há o que se comemorar, aí passem no shopping, peguem aquela flor que vocês vão ganhar depois de consumir X reais em compras e entreguem às mulheres que amam ou admiram. Mas só a elas, por favor. Nada de entregar às outras, as que vocês não conhecem, as que se vestem de jeito estranho, as que não se dão o valor, as que beijam outras mulheres, as que são feias, as que não se vestem com decência, as que não se depilam, as que ganham a vida com fornicação, as que não acham a maternidade a máxima realização feminina, as que apoiam o aborto (porque, como todos sabemos, quem manda no corpo delas é o Estado),as que insistem em querer invadir espaços que são dos homens por direito (divino, eu ia dizer, mas pareceria que estou ironizando…), enfim, a essas que pensam ou se comportam de forma diferente daquelas mulheres que a tua educação [imune a qualquer discriminação de gênero, credo ou etnia] entende como dignas de homenagem. Entrega a florzinha, olha bem nos olhos dela e diz “Feliz Dia das Mulheres”. Mas, veja bem, não precisa dizer que não é de todas. Só que faz isso logo porque daqui a pouco começa o futebol.
Abraço.